Com informações do JC ONLINE -
Desde a adolescência, o vendedor Almir, 28 anos, trava uma batalha que parece não ter fim contra o alcoolismo, considerado um transtorno mental que atinge 10% dos brasileiros. Com histórico de passagem por cinco clínicas onde se internou diversas vezes e lembranças de comportamentos violentos decorrentes do uso abusivo do álcool, Almir alimenta hoje uma forte esperança de se livrar dos efeitos nefastos da dependência. Está há 3 meses e 10 dias longe da bebida alcoólica. Ele atribui esses dias de sobriedade ao suporte que tem recebido do Alcoólicos Anônimos (AA) – uma irmandade de mais de 2 milhões de homens e mulheres que completa 80 anos de atividades no mundo na próxima quarta-feira (10).
Semanalmente, a cada encontro, os membros do AA partilham entre si experiência e esperança para debelar o alcoolismo. Em Pernambuco, 430 grupos (320 deles espalhados pelo Grande Recife) promovem reuniões regulares – ocasião em que é disseminada a filosofia de 12 passos que ajudam uma pessoa dependente da bebida alcoólica a se manter longe da embriaguez. O maior lema do AA preconiza a aceitação de impotência perante o álcool. “Estou mais seguro para enfrentar a bebida porque o AA tem me ajudado a admitir que o alcoolismo é uma doença, e não uma fraqueza ou problema de falta de caráter”, conta Almir, que está com planos para retomar mais de uma década de vida roubada pelas consequências trágicas da bebedeira.
“No período mais crítico, há três meses, o AA apareceu repentinamente. Estava numa clínica de recuperação e já não aguentava mais tantas frustrações”, diz Almir sobre os baques enfrentados durante as tentativas de abandonar o alcoolismo. Ele relata que bebia para dormir, esquecer, ficar feliz e se manter acordado. A dependência o fez abandonar os estudos e passar um tempão desempregado.
“Já fui preso, vendi ventilador que tinha em casa para comprar cachaça e implorei por um gole de álcool na rua. Em briga com meu pai, também alcoólatra, tive os dois braços quebrados por uma estrovenga. Não quero mais isso para minha vida”, frisa Almir, que levou o pai para uma reunião do AA, na última semana, para apresentar como a comunidade pode representar um divisor de águas na vida de quem enfrenta sérios problemas com o álcool.
Também membro do AA, o gestor de empresa privada Paulo, 52, vê o testemunho de Almir como uma reprodução dos anos em que o álcool se transformou em um tsunami que destruiu sua vida. “A história de Almir é bem semelhante à minha. Começamos a beber ainda na adolescência pelo exemplo que tínhamos em casa”, conta Paulo, que se desestruturou pela embriaguez. “Aos 25 anos, estava com um casamento quase desfeito e fui colocado no escanteio pela empresa onde trabalhava. O álcool já causava muitas alucinações. Até bichos cheguei a ver”, relata Paulo.
Assim como muitas pessoas consumidas pelo alcoolismo, ele diz que perdeu as contas das vezes em que vivenciou blecautes alcoólicos – os afamados apagões de memória proporcionados pela bebedeira abusiva. “Naquela época, tinha o hábito de passar cheques para pagar as contas. No dia seguinte, não fazia ideia do valor que havia preenchido até que o cheque caísse na minha conta. Era um descontrole total”, conta Paulo, que está prestes a completar 25 anos de sobriedade graças ao AA.
A história de Paulo e de tantos outros membros da comunidade serve de lição e modelo, durante as reuniões da irmandade, para pessoas que têm problemas em lidar com a bebida. “Ao trocar experiências e mostrar que é possível enfrentarmos, a cada dia, um novo processo de recuperação conseguimos fortalecer uns aos outros.”
O psiquiatra Tiago Queiroz, especialista em dependência química, ressalta que grupos como os do AA são importantes para as pessoas que desejam se livrar da dependência do álcool. “O acolhimento e a troca de experiência motivam os membros a continuar na abstinência total, o meio mais eficaz de controle do alcoolismo”, salienta Tiago.
* Nomes dos personagens são fictícios
Foto: JC Imagem
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