Na Fifa desde 1975, o presidente Joseph Blatter disse na semana passada que o Brasil é o país com mais atrasos na organização de uma Copa do Mundo que ele já acompanhou. Restando cinco meses para o início do Mundial, o cenário atual é bem parecido com o de 64 anos atrás, quando o País se preparava para receber a Copa de 1950. Assim como agora, há seis décadas, apesar do forte investimento de dinheiro público, as obras nos estádios também estavam atrasadas e a escolha das cidades-sede e os longos deslocamentos que seriam feitos pelas delegações eram motivo de preocupação.
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Escolhido em 1946 para ser sede do Mundial em 1949, o Brasil viu, em 1947, a Fifa adiar a competição em um ano para que as seleções da Europa pudessem se reestruturar – a Segunda Guerra Mundial arrasou o continente e deixou o mundo sem Copas desde 1938. Foi, inclusive, por causa dos efeitos do conflito que a entidade decidiu levar o Mundial para a América do Sul e o Brasil, como candidato único, foi o eleito.
A CBD, antiga CBF, não colocou empecilhos na decisão da Fifa de adiar em um ano a competição. E, mesmo com 12 meses a mais para entregar os estádios, o Brasil conseguiu se complicar. Não havia exigências com transporte, aeroportos, hospitais ou outros itens de infraestrutura. O único pedido era estádios “padrão Fifa”. O caderno de encargos da entidade não tinha 420 páginas como hoje. A Fifa só pedia arquibancadas para no mínimo 20 mil torcedores, alambrados, cabines para a imprensa e autoridades e túneis interligando os vestiários ao gramado.
A Presidência da República chegou a formar a “Comissão de Estádios”, mas, mesmo assim, nenhum ficou pronto com antecedência – nem o Pacaembu, inaugurado em 1940, considerado moderno à época e que havia passado por uma ampla reforma.
Em março de 1950, por exemplo, foi feito o calçamento no entorno do estádio para acabar com a lama que se formava nos dias de chuva, reformado o sistema de drenagem do gramado, foram abertos dois novos portões para facilitar a entrada e a saída do público e construído um ambulatório médico. Em 1.º de junho de 1950, 23 dias antes da abertura da Copa, no entanto, vistoria feita pelo presidente da Federação Italiana de Futebol e delegado da Fifa, Ottorino Barassi, constatou que o tamanho do gramado não era adequado, assim como a área da imprensa.
Prova do atraso nas obras foi dada no dia 22 de maio, quando se realizou o sorteio dos grupos da Copa em uma cerimônia no Palácio do Itamarati, no Rio. Por causa de problemas na construção dos estádios, as sedes não foram totalmente anunciadas no evento. “Os locais não foram estipulados definitivamente. O sorteio indicará onde jogarão os concorrentes, esperando-se que algumas partidas sejam realizadas em Recife, Campinas e Juiz de Fora”, noticiou o Estado.
DINHEIRO PÚBLICO
A exemplo do que ocorre agora, a influência política também teve seu peso naquele Mundial. O presidente da CBD, Rivadávia Corrêa Meyer, fez questão de incluir Porto Alegre na lista de cidades-sede por um único motivo: ele era gaúcho. Para isso, pediu o auxílio dos poderes municipal, estadual e federal e conseguiu reformar o Estádio dos Eucaliptos. Segundos dados da Secopa (Secretaria da Copa) da capital gaúcha, o Internacional, dono do estádio, recebeu 500 mil cruzeiros da prefeitura, valor equivalente a 625 salários mínimos da época e que hoje corresponde a R$ 452,5 mil.
No Recife, apesar da ajuda financeira do governo do Estado e da prefeitura, sócios do Sport e a Federação Pernambucana foram os principais responsáveis pelas obras para a cidade ser sede da Copa. Mas o fato de a Ilha do Retiro estar situada perto do mangue do Rio Capibaribe fez com que a reforma do estádio fosse atingida pelas águas, colocando a sede em risco. Restando pouco mais de um mês para o Mundial, chegou a ser cogitada a possibilidade de Salvador ser a sede nordestina do Mundial. O problema é que o governo baiano não quis bancar as reformas necessárias para adequar o Estádio da Graça (então o principal do Estado) às exigências da Fifa.
A decisão de levar jogos para o Nordeste acabou não agradando às seleções europeias. A França desistiu de participar porque jogaria em Porto Alegre e, depois, em Recife, a uma distância de 3.779 quilômetros. Assim, Chile x Estados Unidos foi o único jogo fora do eixo Sul-Sudeste.
Em Belo Horizonte, a ideia das autoridades era mostrar que a cidade poderia ser considerada tão importante quanto São Paulo e Rio. As obras do Estádio Independência, porém, foram feitas em cima da hora. No dia 6 de junho de 1950, o Estado chegou a noticiar que o município estava fora da Copa. Após visita ao estádio, Barassi anunciou que “as dependências não estavam em condições de receber público. Há somente arquibancadas, não existindo separação para as gerais. Além disso, o campo é de difícil acesso. Por tudo isso, julgo que não devem ser realizados jogos naquela praça.”
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